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Basta andar pelas ruas das cidades para ver o substancial aumento no número de templos, especialmente os de denominação evangélica. Em algumas capitais, vemos ainda o fenômeno da construção de templos cada vez maiores e mais suntuosos, que disputam, no número de lugares, com a lotação disponível em estádios de futebol.
Ao mesmo tempo, temos outro fenômeno em crescimento: o número de pessoas que dizem professar a fé cristã, mas estão longe dos cultos nos templos institucionalizados, por terem sofrido decepções ou mesmo por não concordarem com as práticas doutrinárias institucionais.
Mas afinal, é o que a Igreja? É possível ser desigrejado e ainda assim ser Igreja? É possível ser membro de uma igreja institucional e ainda assim não ser Igreja?
Nos tempos de Jesus, vemos nosso Senhor em várias passagens visitando o templo dos judeus para ensinar Sua doutrina, efetuar curas, orar e até expulsar do lugar os vendilhões que lá estavam fazendo negócios. Após a ressurreição, seus discípulos continuaram visitando o templo dos judeus, mas principalmente se reuniam nas casas para o estudo da Boa-Nova e orações.
Com a "conversão" de Constantino, a religião cristã tornou-se oficial, e a partir daí foi possível erigir templos específicos. Porém, a religião tornou-se um braço do Estado e vice-versa, fazendo com que os princípios e essências cristãs se perdessem ao longo do tempo, para que a religião melhor se adequasse aos propósitos humanos. Assim, com o passar dos séculos aumentam progressivamente a patrulha moral e as punições impingidas, de modo a controlar totalmente as populações, chegando-se ao ponto de se cometer a pena capital contra quem ousasse, por exemplo, ler a Bíblia (algo consentido apenas aos sacerdotes), entre outras coisas. Os ensinos de Jesus foram substituídos pelo amor e obediência incondicional aos decretos da Santa Sé, por mais absurdos e incoerentes que pudessem ser à antiga fé cristã.
Nesse período sempre surgiram grupos que buscaram alternativas para uma volta aos ensinos bíblicos, grupos esses que foram dispersados ou exterminados de acordo com a vontade dos líderes máximos da Igreja Romana. Até que surgiram os chamados Reformadores, que de certa forma obrigaram a Igreja Romana a rever alguns de seus conceitos. O triste é que, com o passar dos anos, os seguidores dos Reformadores também passaram a cometer os mesmos erros da Igreja da qual se rebelaram, inclusive matando quem lhes fosse opositor. Um exemplo bastante claro e atual são os Estados Unidos da América, uma nação colonizada por protestantes e que nem por isso teve clemência com os negros que lá foram escravizados, e ainda hoje fabrica as guerras que lhe interessam economicamente. Porém, na história protestante, há muitos outros tristes relatos iguais ou piores do que esse, mas que são quase ou nada divulgados, afinal a "grande vilã" é a Igreja Católica Apostólica Romana (concordo que a maior parte das atrocidades em nome de Jesus veio dessa denominação, mas é um erro isentar as demais por conta disso).
E no Brasil atual, o que temos visto em relação à Igreja?
No geral, vemos um emaranhado de denominações diferentes, cada uma interessada apenas em seu próprio crescimento numérico e financeiro. No geral, as doutrinas ensinadas se adequam aos interesses do fundador ou dono da denominação, mesmo que isso fira princípios básicos da fé cristã. No geral, vemos uma certa concorrência no setor, materializada através da construção de templos maiores e mais bonitos, da compra de helicópteros e jatinhos para servir à liderança, pois alia-se o crescimento numérico e financeiro à aprovação divina. No geral tem sido assim.
Mas como era a Igreja no início?
Segundo os relatos no livro de Atos e demais cartas do Novo Testamento, vemos uma Igreja muito diferente. É uma Igreja que não se interessa pelo ajuntamento de riquezas, pela prosperidade financeira, ao ponto de seus membros doarem seus bens e os colocarem aos pés dos apóstolos. Porém, esses apóstolos (de verdade) não usavam tais valores na construção de templos ou na melhora de sua imagem pessoal ou aumento de seu patrimônio: o dinheiro doado era revertido para socorro dos mais pobres, e até para socorro de outras igrejas, em outras cidades. Até porque ajuntar tesouros na terra contrariaria um dos mais elementares ensinos de Jesus.
Tudo muito bom, mas estamos no século XXI, são outros tempos, outras coisas, e a igreja precisa se adequar a esse tempo, se tornar "contemporânea" se quiser converter o maior número possível de pessoas. Como a vida no mundo capitalista gira em torno de adquirir riquezas para si, a igreja precisa se conformar à realidade atual.
A verdadeira Igreja é o Corpo de Cristo, não é o corpo do capitalismo, do poder terreno, das benesses deste mundo. Como Corpo de Cristo, precisa obedecer à Cabeça, não ser manipulada por outros. Quando deixa de obedecer a Cristo, a igreja se torna sem "I", se torna apenas um boneco manipulável, um marionete nas mãos de quem lhe detém o poder.
O fato de se pertencer a uma igreja com CNPJ e placa na porta não significa que se pertence à Igreja de Cristo. E o contrário também é verdadeiro.
Afinal, como seriam dos cristãos perseguidos, se só fossem "igrejados" se pertencessem às igrejas institucionais?
À propósito, você sabia que na China há algumas igrejas cristãs oficiais? Sim, denominações cristãs que o governo chinês permite que tenham templos e que façam seus cultos. Porém, apesar de oficiais, institucionalizadas, essas igrejas não pregam puramente a Cristo, pois são oficiais pois se deixaram "censurar" pelo governo chinês. Os verdadeiros cristãos, que seguem apenas a Cristo, estão nesse momento talvez sem Bíblias, talvez com pedaços de livros do Novo Testamento, se reunindo escondido em cavernas, em porões das casas, com medo de serem abordados pelas autoridades do país.
Por outro lado, há também muitos brasileiros que, mesmo não sofrendo perseguição do Estado, estão preferindo se reunir em pequenos grupos, não institucionais, para juntos estudar e pregar a Palavra.
Se nossa igreja brasileira fosse realmente Igreja de Cristo, agiria como tal, não pensando apenas em si, mas partindo em socorro às demais igrejas, como acontecia nos tempos dos apóstolos. Enquanto erguemos templos de salomões, assembleias da vitória em cristo, cidades mundiais, cristãos estão passando grandes necessidades não apenas em países onde há perseguição, mas até aqui, sentado ao nosso lado no banco da igreja.
Cadê a Igreja do Brasil, em socorro aos cristãos sírios? Aos chineses? Aos que estão no Egito, no Irã e em países islâmicos? Cadê a Igreja do Brasil em socorro às Igrejas no Vale do Jequitinhonha, às Igrejas no sertão nordestino (por que lá não se constroem grandes catedrais gospel?), às Igrejas nos rincões do país?
Sim, pois dinheiro a igreja brasileira tem, de sobra. Tanto que sobra para construções suntuosas e enriquecimento de líderes eclesiásticos. E quando se fala em socorro não se fala só em dinheiro, mas em atenção, luta por justiça, orações e súplicas.
Falta-nos, como Igreja, o socorro, o cuidado com os mais necessitados, o desapego às coisas materiais. Falta-nos, como Igreja, o amor, que é a maior manifestação da morte para si que Jesus Cristo tanto pregou. Afinal, quem ama realmente, e incondicionalmente, não vê seu próprio benefício, antes se doa para ver o outro beneficiado. É esse amor que nos falta, como Igreja, como Corpo Daquele que primeiro se doou a nós.
Será que somos Igreja?
Ou somos apenas um bando de pessoas que se reúne para ouvir palavras bonitas dos Evangelhos e sair dessas reuniões alegres, felizes, revigorados e com a consciência tranquila, afinal uma nova promessa de bênçãos para nós foi lançada para a próxima semana e tudo podemos naquele que nos fortalece (e o resto do mundo nós não sabemos e nem nos interessa, até porque não temos tempo para ficar pensando em coisa ruim)?
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